Tenho que parar de tremer para conseguir escrever, a
tristeza, a falta de sono, de comida... são 5 horas da manhã estou aqui tentando
não deixar escapar esse momento de escrever o que sinto agora, não sei se só
pra mim, se vou guardar ou se vou compartilhar e com quem vou compartilhar, mas
esse é o momento.
São só dois dias, que mais parecem semanas, e em alguns
momentos até anos.
Por onde começo??!! São tantas imagens que passam, às vezes
muito rapidamente, às vezes muito claras, outras confusas; mas o imagem que
tenho nesse exato momento é do dia em que o Theo chegou na nossa casa.
Chegou pra “passar um tempo” com a gente, pois o casal que
havia comprado-o estava se separando, estavam confusos e decidiram vendê-lo. Nesta
época Theo com quase 4 meses ficava praticamente sozinho o dia todo. Quando
soubemos da situação bateu uma angústia enorme. Já tínhamos a Fedo por dois
anos e já tínhamos uma amor e cuidado tão grande com ele que não era justo, não
dava pra colocar a cabeça no travesseiro e imaginar aquele bebezinho Golden sozinho,
e então propomos cuidar dele até que aparecesse um comprador. No dia marcado
para ele chegar, havia uma expectativa, aquela coisa de: “Será que ele ainda é
bebezinho?” Será que já está perdendo a carinha de bebê?”Afinal só sabíamos que
era um Golden de aprox.. 3 ou 4 meses.
Lembro do exato momento: Eu e meu marido Marcelo no meio da
garagem olhando aquele bebê golden gigante saindo enlouquecido do carro, todo fofo,
da falta de jeito da sua “dona”, e principalmente lembro do rosto do Marcelo
com um sorriso enorme e fascinado por aquele filhotão. E ele já chegou sendo o
furação enlouquecido de alegria.
O que a gente não sabia é que os dias que viriam seriam da
mesma forma muito agitados, na verdade agitados demais. A proposta de cuidarmos
dele era para que ele não ficasse sozinho e que só ficasse conosco até o momento
em a antiga família conseguisse vendê-lo – nós já tínhamos o Fedo e ter mais um
Golden não estavam nos nossos planos.
Theo era um filhote lindo, imponente, e causava impacto a
todos que o conhecessem. Mas essa personalidade agitada parecia “ agredir” o nosso golden Fedo, que sempre foi de uma paciência
e meiguice incríveis. Mas até pra ele o Theo era demais. Chegou a um ponto em que
o Fedo nem entrava nos cômodos onde o Theo estava. Era difícil.E o Theo por sua
vez era um grude, nessa fase era a sombra do Fedo. Pensamos seriamente em não
querê-lo mais conosco, não parecia justo com o Fedo. Mas fomos levando e nos
apaixonando até que 3 meses depois, no dia que o Fedo fez 3 anos, na sua festa
de aniversário em que todos nossos amigos estavam reunidos (época da Golden Gang),que
oficialmente o Theo se tornara nossa filho.
A partir desse momento foi incrível a mudança, minha, do
Marcelo e do Fedo, embora ele continuasse o mesmo louco de sempre. Foi a partir
daí que ele se tornou definitivamente o coração da casa, o barulho, alegria, as
travessuras....ficar ao lado do Theo era uma bagunça interminável.
Não tenho como escrever todos os anos que se seguiram, como
pra todo mundo, especialmente pra quem tem um casamento longo (estamos há 10
anos juntos), tivemos anos bons, outros muito bons de muitas realizações, vieram
as épocas difíceis, e fases muito ruins, de muitas dificuldades e decepções.
Erramos, fomos
imaturos, acertamos, comemoramos, mas somente nas últimas 48 horas eu conheci profundamente
a pessoa com quem convivo há 10 anos, e tive a maturidade e talvez a clareza de
me CONHECER. Foi só no dia que consideramos o pior de toda a nossa vida que
conseguimos nos expor de uma maneira como nunca tínhamos feito, não dormimos,
viramos noite e dia relembrando de tudo o que passamos com o Theo e isso nos
trouxe uma incrível percepção da nossa vivência.
Os últimos 2 anos das
nossas vidas não foram fáceis, muitas mudanças, passamos por provações muito
difíceis , convivemos com situações e pessoas que não nos ajudavam e o pior –
nos afastamos por causa dessas pessoas dos poucos e fiéis amigos que tínhamos. Quando
estamos fragilizados, magoados é difícil separar o que é bom. Sempre fui muito
turrona, me isolo quando as coisas ficam difíceis e foi o que aconteceu. E foi
então, que mais intensamente eu vivi para o Theo.
Meu dia, minhas horas, minutos, todos giravam em torno dele.
Tralhando em casa, mesmo cercada de 5 peludos, não sei
explicar como aconteceu, mas pra mim era natural ficar grudada nele. Era ele
quem me acordava para comer - por vezes me deixava irritada porque nunca gostei
de acordar cedo. Era com ele que começava a trabalhar - era só sentar na escrivaninha
e ele já se aconchegava nos meus pés, passava o dia todo junto comigo no
atelier ou se eu ia fazer alguma coisa na casa, sempre tinha ele como a minha
sombra, nem sombra era mais, ele parecia a extensão do meu corpo. Eu tinha uma
necessidade intensa de ficar abraçada com ele, pra quem nos olhava era
exagerado.
Marcelo me cobrava, por ele e pelo Fedo que sempre ficavam em
segundo plano.
Foi então que, não sei quantificar em tempo, talvez neste último
semestre, não sei, a verdade é que essa minha rotina junto ao Theo se
intensificou ainda mais e tanto o Marcelo
quanto o Fedo passaram aceitar isso. Ficou evidente no comportamento do Fedo e o
Marcelo diz que o sentimento de rejeição de repente se transformou em admiração
- que ele presenciava todo dia um amor tão intenso entre eu e o Theo, que ele
se sentia feliz de me amar, de amar uma pessoa que tinha um amor tão grande pelo
esse filho peludo.
Hoje entre muito choro e tristeza, ele se diz orgulhoso por
ter insistido há sete anos em ficarmos com o Theo, que de certa forma ele tinha
me dado esse grande amor.
O que nós não percebemos, é que na verdade, eu e Theo estávamos
lentamente nos despedindo, aproveitando intensamente cada momento, cada minuto.
Nas últimas semanas eu cheguei a dizer mais de uma vez que o
Theo tinha “alguma coisa”, eu não sabia o quê, não parecia ser nada sobre a sua
saúde, ele estava perfeito, não tinha absolutamente nada, nada, nada que
indicasse qualquer problema: sua rotina fisicamente era a mesma, seu apetite, olhos,
pêlos, suas brincadeiras, seu jeito. Marcelo dizia que talvez ele finalmente estivesse
envelhecendo, que era isso que eu devia sentir e que era natural.
Mas não, eu sabia que não era isso. Como também não sabia o
que estava acontecendo.
Alguns dias atrás, eu quis quebrar uma das nossas rotinas:
quis impedi-lo de sentar embaixo da escrivaninha porque muitas vezes era difícil
de trabalhar no computador, ficar por horas sem conseguir ajeitar as pernas.
Foi então que ele me olhou de um jeito que nunca, nunca vou esquecer. No fundo
dos meus olhos ele me olhou e “disse” que esse era o nosso momento de manhã,
era o nosso bom dia, e que ele tinha ficar ali, COMIGO. Então deixei ele se
deitar e tirei uma foto desse momento. Sempre gostei de tirar fotos, mas
ultimamente pouco fazia isso. Mas eu registrei aquele olhar, de pedido, de
entendimento, do amor mais puro e sincero que alguém pode ter o PRIVILÉGIO de
ter.
Eu tive esse privilégio e pela primeira vez na minha vida eu
aceito de todo meu coração que a vida pode ser dura, que vivemos com muitas
frustrações, esperamos sempre ter mais do que temos, mas eu ganhei um presente
que ainda não tenho a compreensão exata do seu tamanho, um presente de vida, de
um amor puro, verdadeiro e completo.
Theo me deu a oportunidade de saber amar e de que agora eu
devo aprender dividir esse amor.
A dor da partida física é algo indescritível. A gente se
comove muito quando um amigo perde um filho, um marido, um pai, esposa, um filho
de quatro patas, mas não sabe o que é até passar.
A partida dele me dá a percepção de uma bondade ainda maior,
a de que ele se foi pra ceder espaço pro Fedo e pro Marcelo, pras pessoas que
me rodeiam e que ao logo do tempo eu abandonei.
Quero ter a humildade de pedir perdão a quem magoei, quero
ter a paciência de saber escutar verdades que não aceitava, quero ser uma
pessoa mais inteira pra quem amo e pra quem me ama.
Não quero apressar nada, acho que as coisas virão no seu
tempo devido, mas também não quero perder a oportunidade de tomar atitudes que
considerar certa na hora certa.
Agora eu quero sentir essa dor intensa, é meu luto que deve
ser vivido, que deve ser chorado, que em alguns momentos será mais tranquilo e
outras vezes será desesperador.
A verdade é que agora chegou a minha vez, o que sempre a gente acha que “só acontece com os outros” (recentemente
muitos amigos queridos perderam seus filhões peludos) – eu estou vivenciando.
Sei que é natural que quem me quer bem se preocupará comigo,
com a minha fragilidade. Mas também sei que agora esse amor me fez mais
receptiva, não quero ser aquela que foge quando as coisas ficam difíceis, quero
um ombro amigo sim, assim como naturalmente quero ser respeitada nos meus
momentos de solidão.
Sei que em breve, alguns amigos também vivenciarão o que
estou passando, e quero estar presente na vida dessas pessoas quando acontecer,
porque agora eu sei o que é essa dor.
O mais difícil hoje é o medo de esquecer os detalhes, do
cheiro, da textura dos pêlos, do hálito quente, do beijinho, do dormir abraçado,
das patadas pesadas, da euforia, de todo o contato físico que já não tenho mais
presente. O silencio dentro da casa é desesperador.
É nessa hora que quero que me deixem chorar, me deixem ser
triste, porque eu sei que a vida vai seguir e eu não posso e nem o Theo
gostaria de me ver assim triste.
Em algum momento eu vou conseguir guardá-lo dentro de mim,
viver feliz, amar quem me rodeia e um dia morrer com a certeza de que eu amei e
fui muito amada, e aprendi ser alguém melhor.
Assim eu também desejo que qualquer pessoa que puder ler essa
minha história e ainda não tenha vivenciado esse amor, mantenha-se aberto,
receptivo para um dia poder viver, pra um dia poder ter esse PRIVILÉGIO!
"Theo, agora você faz parte
de mim, não existem mais dois
- agora somos um só! " Xanda
- agora somos um só! " Xanda
Theodoro 01/03/2006 - 24/05/2013